quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"A História supera o mito"

Políticas de Governança: A história supera o mito
Por: Luiz Roberto Alves*

Luiz Roberto Alves
Luiz Roberto Alves


Alguns entre muitos leitores que comentaram os dois textos anteriores, sobre o discurso eleitoral presente (bom que as pessoas nos leiam e reajam à leitura!!) imaginaram que o conceito de mito poderia caber ao presidente Lula. Eis o problema. Os melhores estudos sobre mito foram feitos pouco depois da era Hitler, após a bárbara propaganda do Reich, aliada da morte. O mito deve congelar a história, fazê-la parar no interior do poder personalista, por obra de maquiagem que não revela defeitos, limites e lutas nas quais a pessoa se empenha comunitariamente. Todo o discurso deve “engolir” a história e fazê-la perfeita, como se o presente discursivo fosse o futuro já concluído e feito.

Nosso presidente é o contrário: abre-se ao improviso, de que tanto se gosta como se desgosta; anuncia claramente o que pensa e o que faz sempre passa por intensas discussões públicas; encarna um governo aberto, nas muitas virtudes e nos ocasionais defeitos. Anti-mito. Convém que não positivemos o conceito de mito e sejamos críticos diante do poder atual da mídia, que nas suas conversinhas ligeiras e pouco pensadas costuma usar muito mal a idéia de mito. O polêmico e às vezes contraditório Pelé-Edson Arantes nos salvou do mito e o que fica são belíssimos dribles e gols, emoção esportiva.

A candidata Dilma trabalha o futuro com base sólida no passado recente e uma visão de nova qualidade e nova quantidade na governança. Como ocorreu com os 13 pontos, ou diretrizes, de 2002, os novos 13 pontos não se completam sem muita participação popular, sem conferências, sem desafios, sem ousadia pública. As diretrizes compõem a história aberta (e inconclusa), quer por uma desejada revolução educacional, pelo estabelecimento de ciência e tecnologia inovadoras e sedimentadas na linha de novo desenvolvimento e pelo salto indispensável para além de qualquer fome e qualquer exclusão.

O candidato Serra começa seus discursos pelo moralismo seletivo, um suposto selo “do bem”, estimula a desmedida e desnecessária intervenção eclesiástica e se ergue como um totem de tudo o que foi feito sob o sol do Brasil nos últimos anos. Cabe lembrar (para os bons ouvintes e leitores da Bíblia) que o Cristianismo da Galiléia é anti-mítico, pois é profundamente histórico. A mídia em torno de Serra abriu caminho deliberado para a construção do mito, da idolatria, do governo feito, completo, pronto, o qual prescinde ou deixa de lado o povo, exceto seu exclusivo voto. Trata-se de um candidato a presidente em país aberto, problemático e diverso ou um candidato a soberano?

Felizmente a história concreta, memorial, vivida e sofrida (como lembraram tantas vezes Saramago, Vargas Llosa e Guimarães Rosa) supera o mito e a eleição vai sendo construída pela inteligência do povo; nesse movimento, vai-se definindo um governo que necessitará das mãos e da capacidade produtiva das populações, seus afetos e suas lutas. Se a fome primeira, do ventre, vai sendo superada, tantas novas fomes e desafios precisam ser vencidos, o que não se faz com a ilusão do mito, mas com o jogo democrático da verdade histórica.

*Luiz Roberto Alves é professor da Universidade Metodista

Jornal abcd maior, 29.10.2010

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